quinta-feira, 31 de março de 2011

Livro: Em nome do Pai

“Favores secundários podem ser tão agradáveis que começamos a considerá-los de importância principal. Ouça o que Deus disse a Israel sobre a entrada na Terra Prometida: ‘Comerás, e te fartarás, e louvarás o Senhor, teu Deus, pela boa terra que te deu.’ Celebre as bênçãos, mas: ‘Guarda-te não te esqueças do Senhor, teu Deus, não cumprindo os seus mandamentos, os seus juízos e os seus estatutos para não suceder que, depois de teres comido e estiveres farto te esqueças do Senhor, teu Deus, que te tirou da servidão.” (Dt. 8. 10-14).

Nesta vida, o sentimento de satisfação que surge quando um casamento melhora, ou um filho volta-se para Deus, ou uma herança resolve nossos problemas financeiros, ou um ministério decola, parece com frequência mais forte e traz mais prazer que nossa experiência de Deus. Seríamos tolos de reprimir esse prazer, mas corremos o risco de viver para ele, de pensar que as bênçãos de Deus satisfazem a alma de forma mais profunda que Ele mesmo.

         O problema, naturalmente, é que nosso relacionamento com Deus é tão superficial que o prazer advindo dele é realmente menor que o prazer sentido quando tudo na vida corre bem.

         A dura verdade é que o relacionamento com Deus, deste lado do céu, nem sempre é agradável. Viver para Ele, sincera e sacrificialmente, nem sempre produz a agradável experiência de realização e alegria. Deus nos deixa experimentar temporadas de vazio e futilidade que são simplesmente impossíveis de suportar se nosso verdadeiro objetivo é a satisfação nesta vida.

         Jesus disse para permanecermos nEle, para ficarmos em casa com Deus e não nos acomodarmos ao mundo confortável de bênçãos. E acrescentou: ‘Se permanecerem em mim, Eu lhes darei qualquer coisa que pedirem.’ Ele parece estar dizendo que o poder da oração de súplica depende da prioridade da oração relacional.

         Examinemos a passagem inteira e a exploremos um pouquinho. Eis como Eugene Peterson a traduz na versão bíblica The Message:

Eu sou a videira, vocês os ramos. Enquanto permanecerem ligados a mim e eu a vocês, em relação íntima e orgânica, a colheita será certamente abundante. Separados, vocês não têm como produzir coisa alguma. Qualquer um que se separa de mim é lenha morta [lembre-se de que Jesus está falando para crentes] que se junta e se atira na fogueira [sem utilidade para os propósitos do reino]. Mas se vocês se sentirem em casa comigo e se minhas palavras encontrarem morada em vocês, fiquem certos de que o que quer que vocês pedirem será ouvido e resolvido de acordo. Jo. 15. 5-7

         É possível, e epidemicamente comum, afastarmo-nos da realidade do amor de Deus e permanecermos em nós mesmos, obcecados em nós mesmos e preocupados apenas com nossa experiência de realização e satisfação. Nós o fazemos todas as vezes que vivemos para coisas secundárias; que preferimos orar para que nosso casamento dê certo a nos relacionarmos mais estreitamente com Deus; sempre que oramos por favores pessoais que fariam nossa vida feliz mais que por darmos fruto para o reino de Deus.

         Se valorizamos a satisfação que Cristo nos dá mais que Ele próprio, permanecemos comprometidos conosco e não com Cristo. Podemos pensar que estamos comprometidos com Ele, e em certo sentido estamos, mais apenas como meio para um fim. O fim não é a glória de Cristo, é nossa satisfação. Podemos pensar que estamos adorando a Deus e orando no Espírito, quando estamos o tempo todo usando-O. O fruto do relacionamento é mais valorizado que o próprio relacionamento. Quando o provedor deixa de prover a tentação de procurar em outro lugar o que procuramos conquistar torna-se irresistível. Ou oramos com mais insistência pela provisão do provedor. E a oração relacional passa a não significar nada.

         Jesus Cristo nos adverte contra esse perigo. Se nos concentrarmos naquilo de que precisamos (provisão) mais que naquele a quem recorremos em nossas necessidades (o provedor), estaremos usando ‘de vãs repetições, como os gentios.’ (Mt. 6.7). Estaremos pedindo incessantemente a Deus por coisas que Ele já sabe que precisamos e, pior, tentaremos descobrir um modo de orar que possa persuadir ou até mesmo coagir Deus a cumprir seu dever para conosco.

Jesus tinha uma ideia melhor:

Eis o que quero que vocês façam: encontrem um lugar quieto e privado, para que não se sintam tentados a representar diante de Deus. Apenas estejam ali da forma mais simples e honesta que puderem. O foco se deslocará de vocês para Deus, e vocês começarão a sentir a sua graça. O mundo está cheio de supostos guerreiros de oração que são na verdade ignorantes no assunto. Estão cercados de fórmulas e programas e de recomendações, técnicas de venda para obter o que querem de Deus. Não caiam nessa bobagem. É com seu Pai que vocês estão lidando, e Ele sabe melhor que vocês do que vocês precisam. Com um Deus como esse amando vocês, sua oração pode ser muito simples.
Mt. 6. 6-9, The Message

         Ele deu-nos em seguida a oração do pai-nosso, que discutimos no capítulo anterior. O que ouço Jesus dizendo é: ‘Pare te tagarelar todos esses pedidos como se Deus precisasse de persuasão para ser generoso.’

         O propósito central da oração não é conseguir favores de Deus. Tampouco é louvá-lo ou agradecer-lhe à distância. O propósito central da oração é conhecer a Deus, aprofundar nosso relacionamento com Ele, nutrir a vida que Deus depositou em nós e fazer tudo isso para satisfazer o desejo dEle de relacionar-se conosco.

         Por ser Deus quem é, a oração (e, na verdade, toda vida cristã) diz respeito a Deus e a nós. Diz respeito ao nosso relacionamento com Ele. É assim que Deus quer. Por isso faz sentido dizer que devemos aprender a orar relacionalmente, a desfrutar de uma conversa de via de mão dupla com Deus (em que Ele tem a primeira e a última palavra) antes de dirigirmos qualquer pedido a Ele.
        
         * O Senhor Jesus convidou-nos a nos sentir ‘em casa’ com Ele, a permanecer nEle. A imagem mais aproximada que consigo formar disso é: eu com minha esposa sentados na varanda dos fundos numa tépida noite de verão ou em duas cadeiras confortáveis em frente à lareira numa noite gelada de inverno. Não me passa pela cabeça pedir nada a ela. Apreciar sua companhia, sim. A ideia é estarmos juntos.

         Quando me sinto ‘em casa’ com ela, não me acomete nenhum desejo que venha a profanar nossa união. Estar com ela significa mais para mim que outra coisa qualquer que eu pudesse obter dela. Nesse momento não me ocorreria nada que eu pudesse querer e ela não.

         E é essa a imagem que visualizo do que João escreveu:

E esta é a confiança que temos para com Ele: que, se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, Ele nos ouve. E, se sabemos que Ele nos ouve quando ao que pedimos, estamos certos de que obtemos os pedidos que lhe temos feito. I Jo. 5. 14-15

Sentado ali com minha esposa, sou capaz de sentir o que ela mais deseja. É por isso que peço, e ela o concede todas as vezes. Ocorre o mesmo com Deus.

A oração relacional é a condição para o poder da oração de súplica. Por quê? Porque a oração relacional muda o que pedimos com mais fervor e dissolve nosso ar de merecimento ao fazermos o pedido. Tiago disse que quando pedimos por motivos errados, mesmo coisas boas, nada havemos de receber. Creio que ele está me alertando a verificar se o objeto último da oração de súplica é minha satisfação, quer Deus receba a glória, quer não. Se for, não estou em casa com Cristo.

Em resumo, permanecer em Cristo significa valorizá-lo, diariamente e de forma consciente, como nossa fonte de vida e parar de exigir de qualquer outra pessoa que nos preencha. Significa depender dEle para tudo de bom que sai de nós, e querer que sua bondade parta de nós em favor dos outros, e não o contrário, que parta dos outros em nosso favor. E significa pagar qualquer preço para nos aproximarmos dEle e experimentarmos um nível de união que aguce a percepção de sua vida entro de nós.
Isso é oração relacional.”

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